ADEQUAÇÃO ESTATUTÁRIA PARA CAPTAÇÃO DE RECURSOS

19 de Outubro, 2025

Adequação estatutária para captação de recursos: o que uma Entidade precisa fazer para acessar financiamentos governamentais?


Maria Júlia Nunes Dantas 


 


Introdução


 


Organizações da Sociedade Civil (OSCs) são criadas pela própria sociedade, sem fins lucrativos, para atuar em áreas como educação, saúde, assistência social, cultura, meio ambiente e várias outras e existem com o objetivo de gerar impacto social e fortalecer direitos e relações. A atuação realizada por elas é cada vez mais reconhecida como complementar às ações do Estado e, por isso, as OSCs vêm se tornando parceiras estratégicas em políticas públicas e destinatárias de financiamentos governamentais.


Mas, para acessar esses recursos, não basta ter boas intenções ou projetos transformadores, é preciso cumprir alguns requisitos legais, e um dos principais é ter o estatuto social adequado à legislação vigente. Esse documento, que organiza juridicamente a entidade e estabelece sua identidade, seus objetivos e seu modo de funcionamento, precisa estar atualizado para que a organização seja considerada apta a captar recursos, firmar convênios e receber emendas parlamentares. Contudo, quando ele não está em conformidade, a instituição pode perder oportunidades importantes de crescimento e de impacto.


Neste artigo, vamos explorar de forma clara e acessível o que é a adequação estatutária, por que ela é indispensável para a captação de recursos e quais são os passos necessários para garantir que sua organização esteja em conformidade com a lei e preparada para crescer com segurança.


 


Por que adequar o estatuto?


 


Inicialmente, é essencial esclarecer que adequar o estatuto social significa revisá-lo para que esteja em sintonia com as exigências legais que regulam as parcerias entre o poder público, financiadores privados e as organizações sem fins lucrativos. É, então, nesse momento, que o estatuto deixa de ser apenas um documento interno e passa a ser uma ferramenta estratégica para dar credibilidade à entidade.


Nesse contexto, o Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406/2002), especialmente entre os artigos 53 e 61, define que o estatuto é o ato de constituição de uma associação sem fins lucrativos, ou seja, é nele que estão definidos a denominação, a sede, as finalidades, as regras de entrada e saída de associados, as fontes de recursos, a forma de funcionamento da diretoria e do conselho fiscal, além da prestação de contas. Pode-se dizer, de forma ilustrativa, que o estatuto funciona como a certidão de nascimento da organização, sendo indispensável para sua regularidade formal.


Essa importância fica ainda mais evidente quando olhamos para legislações específicas, como a Lei nº 13.019/2014, conhecida como o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC). Essa norma estabelece critérios para que essas entidades possam firmar parcerias com o poder público, a exemplo de ter finalidade social, experiência na área de atuação e um estatuto social que contenha cláusulas específicas, como a proibição da distribuição de lucros, mecanismos de transparência e fiscalização e destinação do patrimônio para outra entidade similar em caso de encerramento (Art. 33, Lei nº 13.019/2014). Ou seja, são garantias de que os recursos públicos serão usados de forma responsável e em benefício da sociedade.


Além disso, destaca-se a Lei nº 9.790/1999, que trata especificamente das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), qualificação jurídica que pode ser solicitada por qualquer entidade sem fins lucrativos que atenda aos requisitos previstos em lei e que deseje ampliar sua capacidade de firmar parcerias com o poder público. Uma OSCIP, por exemplo, pode celebrar o chamado Termo de Parceria, um contrato mais flexível e voltado à execução de projetos de interesse social. Entre as exigências para obter essa classificação, estão: atuação em áreas como educação, cultura, meio ambiente, assistência social, entre outras, e a inclusão no estatuto de cláusulas sobre gestão democrática, transparência na aplicação dos recursos e mecanismos de controle interno (Arts. 3º e 4º da Lei nº 9.790/1999).


É válido pontuar que se tornar uma OSCIP não é obrigatório, mas é uma grande vantagem. A qualificação permite maior acesso a investimentos, bem como a projetos públicos. Além disso, a captação de recursos está diretamente ligada à segurança jurídica e à credibilidade institucional que a entidade transmite. Governos, empresas e organismos financiadores só investem em organizações que comprovem estar em conformidade legal.


Sob esse viés, é importante mencionar também o caso das Empresas Juniores, que são regulamentadas pela Lei nº 13.267/2016. Elas constituem uma forma específica de associação civil sem fins lucrativos, voltada à formação prática de estudantes de graduação e, mesmo com a natureza acadêmica, essas organizações podem - e devem - observar os mesmos princípios de adequação estatutária, especialmente se desejam captar recursos externos, firmar parcerias ou receber doações. O simples fato de adaptar o estatuto para conter as cláusulas exigidas pelas leis mencionadas com certeza pode viabilizar novas fontes de receita e facilitar o relacionamento com apoiadores. 


Por fim, vê-se que o processo de adequação, por sua vez, não é complexo, mas exige cuidado. Ele começa com uma diagnóstico jurídico, isto é, uma análise cuidadosa do estatuto atual, para identificar falhas ou pontos desatualizados. Em seguida, as cláusulas são revisadas de acordo com a lei e submetidas à aprovação dos associados em assembleia. Depois disso, o documento precisa ser registrado em cartório para ter validade jurídica e, por fim, a entidade deve atualizar seus cadastros junto a órgãos públicos e financiadores. Apenas após essa formalização é que a organização estará de fato apta a se inscrever em editais públicos, celebrar convênios e acessar novas fontes de financiamento.


 


Conclusão


 


Finalmente, entende-se que a adequação estatutária não é apenas uma obrigação burocrática, mas sim uma estratégia fundamental para dar mais força e credibilidade à sua organização. Quando o estatuto está atualizado, a entidade transmite confiança, mostra transparência e se coloca em posição de conquistar novas oportunidades. É esse cuidado que abre portas para parcerias com o poder público, empresas privadas e instituições financiadoras e que alavanca a sua organização. 


Se a sua instituição deseja crescer e captar recursos de forma consistente, o primeiro passo é simples: revisar o estatuto social e garantir que ele esteja alinhado com a lei e com as boas práticas. Contar com apoio jurídico especializado pode tornar esse caminho mais fácil e seguro. Afinal, o estatuto não é apenas um documento jurídico, mas sim o alicerce que sustenta todo o impacto social que a sua organização deseja gerar.


 


Referências


 


BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm. Acesso em: 9 set. 2025.


BRASIL. Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014. Estabelece o regime jurídico das parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil – Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC). Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13019.htm. Acesso em: 9 set. 2025.


BRASIL. Lei nº 13.267, de 6 de abril de 2016. Dispõe sobre a criação e funcionamento de associações de proteção e integração entre motociclistas. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13267.htm. Acesso em: 9 set. 2025.


BRASIL. Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999. Dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9790.htm. Acesso em: 9 set. 2025.

SUGESTÕES

  • ARTIGOS

    REGISTRO DE MARCA INDEFERIDO?

    Leia mais
  • ARTIGOS

    ADEQUAÇÃO ESTATUTÁRIA PARA CAPTAÇÃO DE RECURSOS

    Leia mais